Trabalhar no Serviço de Oncologia é a certeza de que se está, literalmente, na escola da vida. Lá o aprendizado é constante e por mais que conheça a lição, não há um dia que não se aprenda algo novo, mesmo que a tarefa seja igual à do dia anterior. É assim que Priscila dos Santos Ferreira, recepcionista na Oncologia da Beneficência Portuguesa de Santos, define o dia a dia do setor.
Depois de quase uma década fora, período em que trabalhou no serviço público e em outra instituição de saúde, ela retornou à Beneficência Portuguesa para um setor que conhece bem, principalmente os dramas que fazem parte do dia a dia dos pacientes ali atendidos, a Oncologia.
O cenário é delicado e requer muito do paciente para entender as novas circunstâncias de sua vida a partir do diagnóstico de um câncer, os critérios para a indicação do tratamento adequado, enfim, uma alteração no rumo de sua vida e de familiares. Requer também dos funcionários do setor, alto nível de comprometimento e empatia pois cada paciente representa uma página no livro da vida que na Oncologia tem que ser estudado diariamente. Afinal, não raro, os colaboradores do setor são considerados pelos pacientes, como familiares.
Se o trabalho na área da saúde, especialmente em oncologia, exige do trabalhador o trato diário com o sofrimento, bem como estresse alheio, em tempos de pandemia o nível de inquietação ganha maiores proporções.
E o que é que a recepcionista Priscila Ferreira faz para se ver livre do estresse?
“Praticar jardinagem com a família”
“É incrível, mas nessa pandemia, dentro do hospital a gente se sente mais protegida, porque somos obrigados a seguir os rígidos protocolos para evitar ao máximo a disseminação do vírus da covid-19. No início da pandemia com o crescente número de casos, a situação ficou difícil pois o isolamento, em muitos casos deixou pacientes afastados dos familiares e com medo até de sair de casa para dar continuidade ao tratamento.
Como no setor a gente vive um ambiente familiar, foi reforçado o elo com os pacientes e as ligações para que não esquecessem os dias de consultas e de sessões radioterápicas foram intensificadas.
A rotina de modo geral foi alterada e eu, com três familiares dentro do grupo de risco, minha avó, minha mãe e meu irmão que é especial, fiquei com muito medo de “carregar” o vírus para dentro de casa e contaminar algum deles. Conversava com minha irmã que também mora conosco, na expectativa de encontrar formas de amenizar a tensão e dar uma ocupação capaz de entreter nossos familiares.
Comprei linha e mais linha para minha avó fazer crochê e minha mãe começou a se distrair aprendendo a usar a internet. Mesmo com elas ocupadas meu estresse só aumentava, especialmente porque via meu irmão o tempo inteiro em casa, sentindo falta da escola especial (APAE) cuja frequência está suspensa devido a pandemia. E foi ele quem deu a dica: “porque você não monta um jardim?” e mostrou vídeos sobre o assunto. Era tudo que eu precisava, mesmo não entendendo nada de jardinagem, muito menos como criar um jardim em uma área toda ladrilhada.
Não me fiz de rogada e resolvi fazer dois tipos de jardim. Comprei tijolinhos vermelhos e junto com meus irmãos fizemos alguns canteiros. Para serenar nosso coração um só tipo de jardim não era suficiente e aproveitando um estrado, montamos um jardim suspenso. Hoje temos jardim, horta e até um pequeno pomar.
Que delícia! Que sensação boa mexer com a terra. Melhor ainda é colher o que plantamos e usar nas nossas refeições. Ver a alegria do meu irmão escolhendo o que colher e levar para a cozinha não tem preço. Olhar para o canteiro e acompanhar o crescimento da planta é uma satisfação só comparada à alegria de ver o envolvimento da família numa atividade que funciona como verdadeiro antiestresse”.
Na pandemia, Priscila descobriu que cuidar da hortinha ou fazer arranjos florais é uma terapia que a ajuda a manter o equilíbrio emocional para lidar com as pessoas que ela considera especiais por enfrentarem tratamento oncológico sem perder a fé na vida e com os familiares especiais. Na pequena horta, a família colhe alface, tomate, ervas (cidreira e erva doce) e temperos (manjericão, cebolinha, etc…). No jardim dividido em pequenos canteiros, violetas, rosas e suculentas. Frutas também, um exemplo é o pé de morango em um vaso que já começou a dar frutos.
Esta é a receita para desestressar dessa pessoa especial, considerada pelos colegas de trabalho, verdadeira guerreira, que é a Priscila, uma das recepcionistas da Oncologia.
1 Comment
Priscila, muito obrigado pela lição de vida. Nada de ficar se lamentando, o que está escrito no livro da vida cabe a cada um de nós a interpretação da leitura. Sejamos felizes à nossa moda porque a felicidade nem sempre está nas quilométricas vivências e o gostoso da leitura pode estar nos longos textos, como em pequenas frases, o importante é o aprendizado. Muito obrigado pela leitura que me permitiu