É sabido que em qualquer tempo, quanto maior a duração de uma quarentena, mais relevante é o estresse, por mais controle que a pessoa tente aparentar, mesmo que ela não esteja totalmente afastada do trabalho, mantendo contato várias vezes ao dia com colegas e outros relacionados ao dia a dia.
Imagem esse quadro na vida de um médico que há quatro décadas não faz outra coisa a não ser atender, examinar, diagnosticar, tratar, ir ao hospital… estudar e a se envolver com as questões relacionadas à Medicina. Imaginaram?
Haja equilíbrio para não se deixar afetar pelo estresse, afinal a pandemia da covid-19 mexeu até com aqueles mandamentos que o cardiologista José Ricardo Martins Di Renzo idealizou para sua vida, desde o início da Faculdade Medicina, reafirmados ao longo da vida profissional.
“Quero a rua cheia de abraços e de sorrisos francos”
A pandemia interrompeu bruscamente sua rotina. Mesmo assessorando os colegas do hospital e até orientando pacientes por telefone, Dr. Di Renzo, cardiologista, um dos coordenadores das UTIs e dos Prontos Socorros da Beneficência Portuguesa, se sente sufocado pela impossibilidade de manter contato social. Tudo isso por que ver gente, estar e falar com as pessoas, mesmo que não raro, pareça introvertido, ele assume que seu universo não poderia ser diferente: “É cheio de gente o tempo todo” diz ele que revela, mesmo que timidamente, o conjunto de ações que faz para desestressar .
E quando tudo isso passar e ele puder voltar a seguir à risca os mandamentos que criou lá atrás para ser feliz, planeja cantar, dançar e praticar dentro do possível o que sugere o cantor e compositor Oswaldo Montenegro na canção “Sem Mandamentos”.
É possível que não faça barulho na madrugada, mas quer ver seu coração no sorriso das pessoas e à primeira luz no olho da tarde. E até que isso aconteça ele vai driblando o estresse assistindo TV e escrevendo, coisas, assuntos e opiniões que são guardadas a sete chaves “para ninguém ler”, confidencia.
“Desestresso vendo meus programas favoritos na TV, ou seja, tudo sobre culinária. Há anos sou fã da Palmirinha e muitos outros vieram depois. Assisto todos. Presto atenção nos temperos, na maneira de fazer cada prato. É ótimo, mas não faço nenhum. Cozinho mal, mas o doce de banana, esse eu garanto… fica uma delícia. Assisto aos jornais, que tenho selecionado bem, mas procuro não perder pela manhã, os telejornais da região. Ainda falando em televisão, não perco um “Beneficência na TV”, programa da Beneficência Portuguesa e me acostumei a acompanhar a transmissão das sessões da Câmara de Santos.
É claro que isso não é suficiente, por isso resolvi ampliar uma prática antiga que não conto para as pessoas: escrever coisas que ninguém vai ler”.
OI? Como assim? Você esconde o que escreve? Por que?
Diante da revelação, as perguntas saltaram naturalmente.
Risos… “Eu sempre escrevi um pouco de tudo. Opiniões, ideias, às vezes ouço um assunto e gostaria de opinar. Então escrevo e guardo só para mim. Nunca falei às pessoas, nem sei por que, mas isso eu já fazia antes da pandemia. Agora acelerei esse processo por que são muitas informações, muitos e diferentes assuntos sobre o mesmo tema e outras abordagens que felizmente mostram que a vida continua apesar da covid-19”.
Meio encabulado, possivelmente pela confissão, Di Renzo, cujos irmãos, um arte- educador e pedagogo e outro jornalista e professor convivem numa relação muito íntima com textos e com a palavra a quem dão vida através da interpretação e da escrita, muda de assunto, mesmo permanecendo no tema estresse/desestresse.
“Posso lhe garantir que, o que mais me afeta nessa pandemia é o distanciamento. Até “Os Intolerantes” (nome do grupo de amigos com os quais se juntava todos os fins de semana) a pandemia conseguiu afastar. Ir à Beneficência todo dia, toda hora, falar pessoalmente, trocar ideias com meus colegas no hospital…quanta falta, muitas saudades…mas isso vai passar e quando acontecer, antes de juntar minha família, no mínimo por uma semana para espairecer, quero viver um dia de felicidade, tal qual o cantor Oswaldo Montenegro diz em uma de suas músicas: “quero a rua cheia de sorrisos francos; de rostos e serenos, de palavras soltas, quero a rua toda parecendo louca, com gente gritando e se abraçando ao sol”. Aí não vai ter estresse que se aproxime”.
Como somos admiradores do escritor francês Marcel Proust autor da frase “Ninguém deve morrer sem ler”, conseguimos do Dr. Di Renzo, a promessa de que um dia teremos acesso aos seus escritos. Que seja logo.
Abaixo, letra da canção de Oswaldo Montenegro citada pelo cardiologista
Hoje eu quero a rua cheia de sorrisos francos
De rostos e serenos, de palavras soltas
Quero a rua toda parecendo louca
Com gente gritando e se abraçando ao sol
Hoje eu quero ver a bola da criança livre
Quero ver os sonhos todos nas janelas
Quero ver vocês andando por aí
Hoje eu vou pedir desculpas pelo que eu não disse
Eu até desculpo o que você falou
Quero ver meu coração no seu sorriso
E no olho da tarde a primeira luz
Hoje eu quero que os boêmios gritem bem mais alto
Quero um carnaval no engarrafamento
E que dez mil estrelas vão riscando o céu
Buscando a sua casa no amanhecer
Hoje eu vou fazer barulho pela madrugada
Rasgar a noite escura como um lampião
Vou fazer seresta na sua calçada
Eu vou fazer misérias no seu coração
Hoje eu quero que os poetas dancem…