O filósofo e crítico literário italiano Nuccio Ordine, diz que alimentar o espírito é tão importante quanto alimentar o corpo, pensamento que fortalece a conclusão a que chegaram responsáveis por uma análise efetuada há quatro anos, pela Universidade de Roma III que é a seguinte: “A leitura nos torna mais felizes e nos ajuda a enfrentar melhor a nossa existência”.
E o que essa informação tem a ver com a fisioterapeuta Maria do Carmo Gomes, coordenadora de Fisioterapia da Beneficência Portuguesa?
Tudo. Afinal, quando lemos um livro, estamos ao mesmo tempo, formando novos conceitos e obtendo novas informações e se a leitura acontecer no doce balanço de uma rede, desnecessário dizer que dificilmente o estresse de um longo e tenso dia de trabalho, não dê lugar a uma viagem para longe do que a mente e o corpo viveram durante horas no combate contra a covid-19, cuja pandemia já causou cerca de 700 mil mortes no mundo.
Pós graduada em Fisioterapia em Unidade de Terapia Intensiva, Do Carmo, como é chamada, desde o início da pandemia *esteve diretamente ligada à dor, ao medo e a tensão de pacientes e profissionais na UTI da Beneficência, específica para atendimento a pacientes com covid-19. Nesse período se afastou um tempo porque também se tornou uma vítima da doença. Assintomática, testou positivo para a doença e após cumprir quarentena, se recuperar, voltou ao trabalho onde o estresse não dá trégua, mas onde profissionais da saúde não têm tempo para pensar nele, só se dando conta quando termina a jornada de trabalho e como no caso de Do Carmo, quando chega em casa e percebe que sua rotina foi totalmente alterada. Mas o estresse não pode entrar na sua casa.
“Eu a rede e o livro”
“Vivendo numa UTI, o estresse é o indesejado que está ali ao seu lado o tempo todo. A dor da solidão do paciente sem contato físico com a família é visível e isso mexe com a gente de uma forma tão intensa como nunca senti nesses trinta anos de profissão. Não tive medo de ser contaminada pelo novo coronavírus, meu medo era o de infectar outras pessoas e minha vida fora do hospital virou de cabeça para baixo. Isolada de minha família, quando em casa, meu refúgio é leitura (romances, livros espíritas e de autoconhecimento).
Uma rede na sala e um livro me aguardando, a receita perfeita para meu desestresse. Três meses sem ver a família (mãe, irmã, sobrinhos) estava me abalando. Quando mais recentemente a incidência de casos graves começou a amenizar, passei a ver minha mãe nos fins de semana, à distância. Ia até sua casa e ficava, de longe, olhando para ela na soleira da porta, acenando. Ô coisa triste. Situação doída demais, muito sofrida, mas aliviada por vê-la e saber que estava bem. Depois, tomada por um misto de felicidade e tristeza o que me restava era voltar para minha rede e meu livro, minha leitura, meu desestresse”.
Do Carmo, pessoa de pouca fala e riso comedido, se intitula uma pessoa calma, mas avisa que, quando lhe tiram do sério fica brava e quando isso acontece “sai de baixo”. Sorte dos desafetos por que já foi mais brava “Melhorei muito, acho que espiritualmente também devido a maturidade, experiência e leitura”, conclui a protagonista do Xô estresse de hoje, que partiu para merecidas *férias levando na mala, a rede e os livros.