Ele entrou na Beneficência como estagiário, fazia o curso técnico de Alimentação, mas foi como funcionário de portaria que foi contratado. Ao final do estágio a dispensa, pois a única vaga disponível naquela ocasião para contratação, era na portaria. Não pensou duas vezes, candidatou-se e foi aprovado. Isso aconteceu em 200 quando a Beneficência completava 150 anos. Logo foi transferido para a recepção do Pronto Socorro. Como a grande maioria dos jovens, trabalhava e estudava (cursou Biomedicina) e conquistou uma vaga como auxiliar de Farmácia e depois foi transferido para o antigo Banco de Sangue, hoje Agência Transfusional da qual é coordenador.
Estamos falando do biomédico Silvio Carlos Arouck Miguel, cuja reflexão diária recai sobre uma das advertências de Jesus: “A quem muito foi dado, muito será exigido” (Lucas 12:48).
Metódico, Silvio entende que essa reflexão se, seguida à risca, pode ser encarada como um presente, pois a área da saúde desde muito jovem era seu sonho em termos de trabalho, independentemente dos caminhos que viesse a percorrer até chegar ao exercício da profissão.
Tentou Medicina, não conseguiu, mas a Biomedicina, uma das mais novas profissões da área da Saúde, estudo que leva ao diagnóstico e possibilita o tratamento das mais diversas patologias, também se encaixava nas suas expectativas. Acertou na escolha e garante que a formação profissional a partir da graduação, faz parte do presente que a vida lhe vem renovando desde sua entrada como estagiário na Sociedade Portuguesa de Beneficência.
“Dobrando o estresse com origami”
Seu vínculo com a Beneficência começou quando ele ainda era criança. Aquele casarão em frente ao canal 2 fazia parte das conversas em família. Seu avô era português, sua avó lá estivera internada. Todas essas lembranças vieram à tona quando Silvio, estagiário, começou a percorrer os inúmeros corredores que hoje lhe são tão familiares quanto os de sua residência onde constituiu outra família (esposa e filha), ou a continuação da sua, como sugerir a reflexão de cada um.
Metódico, ao voltar do período de férias em fevereiro passado, Silvio, de imediato percebeu mudanças no hospital. Ainda eram alterações leves que logo se transformaram em regras rígidas por conta de uma nova doença infectocontagiosa que desde janeiro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciava como uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, a covid-19, que em 11 de março era declarada como uma pandemia.
“Quando voltei das férias, o cenário já era outro na Beneficência. Apesar de todos os protocolos de proteção implantados no hospital, o contexto deixava evidente que 2020 seria um ano atípico. O estresse parece que chegou junto com a nova doença, a covid-19, e com ele o medo, não apenas de ser contaminado, mas principalmente de contagiar os parentes, os amigos. No meu caso, a maior preocupação era, e ainda é com minha filha (a garotinha tem 4 anos) que por conta da pandemia terminou ficando aos cuidados dos avós. O hospital oferece completo suporte em termos de proteção, segurança, mas como biomédico realizo todo o processamento de sangue e suas sorologias, e mesmo com as rígidas medidas de proteção, o estresse que age sobre todo o corpo, se fez presente.
Para aliviar a tenção intensifiquei uma prática, um hobby, uma arte que aprendi ainda no colégio (Escola Estadual Olga Cury) a arte oriental da dobradura, o Origami, e com ela, há alguns anos, conquistei minha namorada, hoje minha esposa. Videogame também me distrai, mas a concentração, a atenção para dar forma ao papel, é imbatível.
Criando seres e objetos, dobrando e dando formas geométricas a um pedaço de papel, me transporto para outro mundo, fugindo da avalanche de notícias ruins, sofrimento e mortes, que nos enche de tristeza e por mais que nos esforcemos, ainda estamos em desvantagem. Mas é claro que não vamos desistir, não vamos recuar nessa luta contra a covid.
Enquanto a luta continua, reponho minhas energias e dobro o estresse com origami criando figuras de formas variadas, como flores, especialmente lírio, figura com a qual presenteei minha esposa, em 20 de julho de 2008, quando nos reencontramos e começamos a namorar. Ela já conhecia essa minha habilidade com dobradura porque estudamos na mesma classe e eu já havia a presenteado com um lírio, mas era só amizade. Aliás, lírio símbolo da nossa união foi a flor escolhida para seu buquê de noiva. Não tem como não desestressar e acalentar a esperança de que sairemos dessa situação, seres humanos melhores”.
*Como o tsuru, tipo de origami considerado um dos mais tradicionais da cultura japonesa que representa o grou-da-Manchúria, ave sagrada do Japão, símbolo da saúde, da boa sorte, longevidade, da fortuna e da felicidade plena, a filhinha do Silvio que estava sendo cuidada pelos avós, voltou para casa há uma semana, para o desestresse total do biomédico e para sua felicidade plena (como a existência do tsuru), mesmo que carregada de responsabilidade, pois “a quem muito foi dado, muito será exigido” como apregoa a reflexão bíblica.
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Parabéns Silvio.
Não conhecia sua trajetória.
Sucesso!