Embora ela já tivesse os requisitos básicos para a profissão de porteiro, como simpatia, educação, postura adequada, discrição e boa comunicação, trabalhava no setor de higienização da Beneficência Portuguesa através de uma empresa terceirizada. Ela sabia que ainda iria percorrer uma considerável jornada até que seu sonho se concretizasse, mas era uma questão de tempo.
Em 2006 saiu da terceirizada e foi contratada pela Beneficência como maqueira (profissional que trabalha em estabelecimentos de saúde realizando o transporte de pacientes de forma segura) na BeneMater, maternidade que funcionou até 2013. A jornada seguia seu curso e ela, na busca de novos conhecimentos, foi estudar e fez cursos de Técnica de Enfermagem e de Porteiro. E quando surgiu a oportunidade ela não pensou duas vezes para preencher uma vaga na portaria do hospital que ela considera sua segunda casa.
Estamos falando da porteira Gleice Fernandes de Oliveira, que depois das várias crises de choro devido a tensão provocada pela pandemia do novo coronavírus, descobriu que ouvir música e dançar são excelentes antídotos contra o estresse.
“Música relaxa e dançar nos tira da realidade”
Estresse em portaria, impossível não existir, principalmente em se tratando de acesso hospitalar. Afinal, as pessoas que chegam ao hospital, dificilmente vão a passeio, embora na Beneficência Portuguesa isso aconteça com muita frequência (estudantes, pesquisadores, frequentadores da Capela Santo Antônio e até interessados em conhecer o acervo histórico e cultural do hospital).
Desconhecemos qualquer estudo conclusivo sobre o estresse relacionado aos profissionais de portaria, mas duas coisas são certas: o estresse existe e o apoio familiar, bem como da empresa hospitalar são de grande importância no suporte psicológico desse colaborador, a exemplo do que ocorre com os demais.
Gleice diz que conheceu a importância desse suporte na pandemia da covid-19.
“Gosto demais da minha profissão. Me sinto muito bem recepcionando, orientando as pessoas e foi a pandemia da covid-19 que me deu certeza que escolhi a profissão certa. No início da pandemia as pessoas chegavam e antes de se identificar já perguntavam como estava o movimento no hospital? Se tinha muito fluxo de covid? Tinha gente que voltava da porta, mesmo com a explicação de que a Beneficência dispunha (ainda dispõe) de dependências, de Pronto Socorro a UTI só para atendimento as pessoas com a doença.
No início era muito medo de ser contaminado. Nós funcionários também tínhamos medo, principalmente de transmitir para os familiares. Eu cheguei a sugerir a meu marido ficarmos em casas separadas, afinal, por conta da doença já estávamos distanciados dos parentes. Foi quando percebi a importância do apoio psicológico dele que se recusou a me deixar em casa e passou a buscar formas de me desestressar quando chegava em casa após um dia de trabalho. Decidimos que teríamos, inclusive nosso filho, que nos cercar de todos os cuidados e assim fizemos. Meu transporte para o trabalho é o coletivo, onde procuro não tocar em nada além do uso direto de máscara. Saindo do plantão lavo tudo com produto especial, mas tínhamos que aprender a lidar com o estresse.
Tive muitas crises de choro, afinal são quase seis meses afastada de familiares, inclusive meu sobrinho caçula nasceu e eu ainda não pude abraça-lo. Em meio as essas crises, meus irmãos e cunhadas, à distância tentavam me reconfortar, quando meu marido lembrou que música me acalma e me chamou para dançar. Diante de uma plateia formada pelos meus bichinhos de estimação (dois gatos e um cachorrinho de 13 anos) começamos a dançar e isso virou uma terapia.
Posso garantir a vocês que a terapia formada por música e dança complementa o suporte dado pela Beneficência para que possa continuar trabalhando de forma equilibrada, como as pessoas que procuram o hospital esperam de nós, porteiros”.
Gleice garante que, quando a pandemia passar, a primeira coisa a fazer será: “Abraçar muito meus familiares e até que isso aconteça, continuarei com os cuidados necessários para evitar contaminação porque essa doença (covid-19) dá medo, mas vamos na fé em Deus, que logo sorriremos em família e com os amigos celebrando a vida sem medo…e com certeza continuarei ouvindo música e dançando por que essa terapia relaxa e nos tira da atual realidade”