O estresse dos profissionais de saúde tem sido uma das grandes consequências da pandemia. Para a psicóloga hospitalar intensivista, Mariana Leles, de Goiânia, o profissional da saúde está sobrecarregado emocionalmente. Em recente entrevista disse “O que se percebe é que inicialmente, para todos os profissionais, o que causava estresse era o medo de algo desconhecido, e que gerou modificação das rotinas diárias, assim como a adaptação aos novos rituais que garantem a segurança dentro e fora dos hospitais. Com o passar do tempo e a maior familiaridade no manejo de pacientes potencialmente contaminados, o medo inicial reduziu, porém o que prevalece agora, é algo ainda pior: o estresse crônico.”
E esse nível de estresse acontece mesmo passado o período de maior intensidade de casos, desafiando os profissionais a encontrarem formas de aliviar a tensão para que não comprometam suas atividades, principalmente a saúde.
Não há dúvidas de que o emocional desses profissionais foi severamente abalado, principalmente os que trabalham na linha de frente do combate a covid-19, como é o caso da enfermeira Thatiane Santana do Nascimento, que no auge da pandemia na Baixada Santista, coordenava as equipes de enfermagem de duas CTIs específicas para pacientes da doença. Com a redução dos casos, retoma à coordenação de uma CTI Geral.
Thatiane que chegou a ficar um mês sem ver a filha, de apenas quatro anos, que devido a pandemia ainda se encontra na casa dos avós em outro município, explica que mais que o medo da contagio da doença, o isolamento total dos familiares, é com certeza, o maior impacto.
Apesar da brusca alteração na rotina, a enfermeira Thatiane manteve o semblante sereno, como se a vida seguisse no doce remanso que sonhamos para nossa caminhada. Habituada a intensidade do trabalho em uma CTI, intensidade essa, a que Thatiane se acostumou ao longo dos anos e que nos últimos tempos a encara como um lenitivo para dores emocionais. Afinal, como apregoa o pensador Kant, o trabalho é uma atividade pela qual o homem transforma o universo.
“Trabalhar e brincar para esquecer dores e estresse”
“A pandemia alterou bruscamente a minha rotina, mexeu com meu emocional, mas no hospital não podemos deixar que a tensão interfira no trabalho, porque estamos ali para cuidar de quem precisa. O paciente é o nosso foco. O medo é natural, afinal estamos lidando com uma doença de alta transmissibilidade. Eu fui contaminada, felizmente de forma branda, mas o receio, os cuidados e a quarentena são os mesmos.
Para nós profissionais da saúde que lidamos direto com pacientes acometidos pela covid-19, o maior medo é contaminar nossos familiares, sendo que o isolamento é para mim, o maior impacto dessa pandemia. O estresse aumenta quando, após o trabalho, encontro uma casa vazia, silenciosa. Por isso, a primeira coisa que faço é uma videochamada para falar com minha filha, meus pais e outros familiares. Posso garantir que o nível de estresse já foi muito mais elevado porque fiquei mais de 30 dias sem ver minha filha.
Atualmente sonho com os finais de semana, quando me rendo às brincadeiras com minha filha. Uma de suas brincadeiras preferidas é cozinhar, fazer bolos, doces, bolachas. Apesar da pouca idade ela sabe várias receitas. Quando chego, corremos para cozinha e ela, sob a nossa supervisão, minha e da minha mãe, separa os ingredientes e mãos a obra. Quebra os ovos, mistura os ingredientes, só não mexe no fogão. Enquanto a criação está no forno, brincamos de médico. Ela adora ser a doutora e com seu estetoscópio de brinquedo examina seus pacientes, nós familiares, as bonecas e não raro a Cindy, nossa cadelinha.
Ei!!! O bolo está pronto! Avisa a vovó.
Corre todo mundo, lavamos as mãos e vamos para outra etapa do nosso divertimento, agora na cozinha de brinquedo, onde a mobília de plástico e diminuta nos obriga a ficar de pé, para degustar a delícia do dia que pode ser um bolo de chocolate cremoso, bolacha de leite condensado, etc…. Esqueço totalmente o estresse e na segunda-feira cedo, saio direto da casa dos meus pais, onde minha filha está segura, no mínimo cercada de carinho e volto para a Beneficência Portuguesa, revigorada para me entregar ao trabalho, integrando a equipe multidisciplinar dedicada a luta, não apenas contra a covid-19, mas para desenvolver o melhor tratamento para os pacientes”.
Ciente de que o ser humano é flexível e consegue lidar bem com adaptações e períodos de estresse, de dores físicas e emocional, Thatiane Nascimento, também busca na leitura espírita e nas preces, entender o momento difícil pelo qual passamos, mas não esconde a preocupação com uma possível segunda onda da covid-19 em futuro próximo, como alertam especialistas.