As fake news muito usadas nas áreas política e econômica agora invadem a área da saúde causando forte impacto no combate à pandemia da covid-19 em todo o mundo, levando pânico para alguns e prejudicando a adequada orientação por órgãos competentes sobre a disseminação e controle da doença.
Para saber até que ponto essas notícias falsas compartilhadas na internet podem ser consideradas um desserviço à população, uma entrevista com o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Beneficência de Santos, Dr. Renato Luiz Rodrigues Novaes, advogado, que considera notícias falsas, uma forma nefasta e covarde de distribuição deliberada de desinformação e boatos.
“Mas, infelizmente isso existe há séculos, sendo recurso largamente utilizado nas guerras, porém o vasto alcance das mídias modernas torna delicadamente perigosa a criação e divulgação de informações falsas. Há um grande descompasso entre a modernidade das mídias eletrônicas e o atraso cultural de quem se serve delas como único norteador. É comum o pensamento de “está na internet, então é verdade…” disse o advogado antes da entrevista
O que a legislação brasileira prevê para as fake news?
Dr. Renato – Existe uma tipificação penal para as notícias falsas, e está na Lei de Liberdade de Imprensa (Lei nº 2083/53), mas convém criar um tipo penal específico para esse tipo de prática.
Se para essa prática ainda não tem lei específica como elas são enquadradas?
Dr. Renato – Se a notícia falsa trouxer em si uma acusação, o autor poderá responder pelos tipos legais de calúnia, injuria ou de difamação, que são três tipos penais diferentes e que geralmente não acontecem concomitantemente.
Calunia (art. 138 do Código Penal Brasileiro) é a acusação falsa do cometimento de uma conduta tipificada como crime pela nossa legislação.
Difamação (art 139 do CPB) é a imputação de um fato, verdadeiro ou não, ofensivo à reputação da vítima.
Injuria (art 140 do mesmo código) é a ofensa que atinge a dignidade ou ao decoro da vítima. Em 2003 acresceu-se o § 3º e passou-se a ter tipificada a injúria em virtude da raça, da cor, da etnia, da religião, da origem regional, de doença ou da idade (idosos).
Mas existe muito a ocorrência do crime de Ameaça (art. 147 do mesmo código) pelas redes sociais.
Uma pessoa que inocentemente compartilha uma notícia falsa incorre no risco de punição?
Dr. Renato – Em face do irresponsável hábito de compartilhar as notícias que atacam ou ofendem aqueles de quem não gostamos, as pessoas tendem a “viralizar” as fake news. As pessoas deveriam estar atentas porque nossas postagens e “curtidas” nas redes sociais ajudam a disseminar aquela informação. A meu ver, ao compartilhar uma fake news difamatória, a pessoa pode ser coautora da difamação, pois multiplica para várias pessoas fato ofensivo à reputação de outrem, seja ele verdadeiro ou não, e pode vir a responder conjuntamente com os demais difamadores, em caso de uma indenização.
Como as notícias falsas podem prejudicar o trabalho contra a Covid-19?
Dr. Renato – As pessoas menos informadas podem prejudicar a própria saúde e a dos outros, acreditando que aquela notícia (que ele não sabe ser falsa) lhe orienta (incorretamente) o que fazer, ou a deixar de fazer uma conduta segura, que antes fazia. A desinformação e a preguiça são os maiores aliados das fake news. Cada um, passa a elaborar suas teses, desprovidas de qualquer embasamento técnico, e se acha no “direito” de compartilhar sua “opinião”, e confronta-la com fatos e com os argumentos dos técnicos, aqueles que realmente sabem do assunto mais do que os leigos.
O Donald Trump foi à mídia para dizer, do púlpito da Casa Branca, que era necessário pesquisar se o vírus poderia ser morto se coloca-se o paciente sob uma “tremenda luz ultravioleta”. Depois sugeriu outra asneira: que talvez pudesse injetar “desinfetante” na circulação sanguínea das pessoas, a fim de matar o vírus causador da Covid-19.
Acreditar nessas bobagens pode ser a diferença entre a vida e a morte de alguém.
Como as pessoas podem se precaver contra essas notícias falsas?
Dr. Renato – A tendência é que quando recebemos uma notícia que confirma uma convicção nossa, que é conhecido como viés de confirmação, divulgamos freneticamente, pois aquele post “me dá razão”, e tal post pode ser uma grande mentira… Uma forma de se precaver é, em primeiro lugar, ler a notícia toda para ver se a manchete condiz com o conteúdo da notícia, e depois checar o conteúdo, pesquisando em sites sérios sobre o assunto, e até mesmo lançar mão de procurar os sites desmascaradores de mentiras, como o boatos.org, e-farsas, aos fatos, Uol confere e etc.
Onde denunciar as fake news?
Dr. Renato – Se você for vítima de uma fake news, é necessário identificar o link e todo o conteúdo da notícia, de preferência imprimindo, a fim de que se possa alcançar os responsáveis pela divulgação e compartilhamento da notícia caluniosa, difamatória ou injuriosa, e para haver a preservação do conteúdo eletrônico e das imagens, antes que ele seja apagado, você pode procurar um cartório extrajudicial (ex: Cartório de Notas) para que o escrevente providencie a lavratura de uma ata notarial (que não é barato, cerca de quase R$ 500,00). Como é uma ação de direito privado, a vítima terá de procurar um advogado criminalista para mover uma ação (Queixa-Crime) contra os autores do crime. Para buscar uma indenização, é necessária uma ação cível de reparação por danos morais. O escritor Olavo de Carvalho, vai ter que pagar R$ 2.800.000,00 para Caetano Veloso, por acusa-lo de pedofilia…
Ao final da entrevista, Dr. Renato Novaes, além de ressaltar que as fake news aumentam a desconfiança da população nos poderes do Estado, relembrou um assassinato ocorrido na região, cometido por uma multidão influenciada por notícia falsa veiculada pela internet:
“Em 03 de maio de 2014, Fabiane Maria de Jesus foi linchada até a morte em Guarujá, por um sequestro de criança no Rio de Janeiro, que sequer aconteceu. Na sentença, o magistrado, Edmundo Lellis Filho, descreveu que as circunstâncias do crime revelaram uma “barbárie atípica”. Foi o furioso povo, atrasado e ignorante, que acredita cegamente no que circula na internet, fazendo “justiça com as próprias mãos” relembrou Dr. Renato, preocupado com as consequências das fake news que independentemente da ação da Justiça, continuam acontecendo disseminando o ódio, a ignorância e a violência. Diga não às fake news!